Notas sobre a Estética Marxista

domingo, 30 de agosto de 2009


Alguns princípios da estética marxista e conceitos de Gyorg Lukács


Penso que a confusão na crítica de arte atual espelha os dilemas que a produção artística enfrenta em meio às demandas comerciais que a produção na sociedade capitalista deve considerar. Às vezes é difícil crer em certos argumentos, critérios de julgamento duvidosos, sendo que a crítica deveria servir à análise honesta e necessária de um trabalho artístico, com intenção de enriquecer sua compreensão. A estética marxista propicia uma compreensão profunda, de preocupação com a dignidade humana, de busca da essência e dos fenômenos presentes numa obra de arte e que, ao refletir seu tempo, torna-se patrimônio de toda humanidade.

No início de meu estudo das concepções marxistas ficaram evidentes os conceitos distorcidos propagados a partir de um tratamento vulgar, o que, evidentemente para os que não tentam compreender o marxismo, serve como um escudo contra o esforço necessário de compreensão do homem e do que produz, erguido em face das questões pragmáticas de um lado da história.


O legado de pensadores como Marx, Engels, Lukács, Gramsci, Brecht, mesmo sob críticas, é o esforço intelectual e pessoal em períodos sombrios da história, na tentativa de compreender o mundo, o ser, sua produção e possibilidades. A displicência diante do que pensaram e o desdém em relação a seus escritos só demonstram a preguiça intelectual infelizmente enraizada em muitos rincões. A retomada de conceitos na tentativa de compreender a arte contemporânea mostra-se uma necessidade, ainda que os mandos do mercado dificultem cada vez mais olhar com nitidez para obras falsamente novas.No âmbito específico da estética, o que compreende o entendimento da criação artística, sua apresentação e a atividade do criador, portanto indicando caminhos na teoria do conhecimento, a profunda abordagem da teoria marxista, especialmente os conceitos formalizados por Gyorg Lukács, serão aqui tomados para análise de uma produção artística contemporânea, precisamente o último filme de Stanley Kubrick, lançado em 1999, Eyes Wide Shut, ou em português, De olhos bem fechados.


Primeiramente, a indicação breve de alguns princípios que vão orientar este estudo, com o cuidado de não exceder na tentativa de explicá-los, registrando a ênfase na utilização da teoria do reflexo na análise posterior: particularidade -- universalidade (objetividade) e singularidade (subjetividade); totalidade; o tipo; o realismo e a teoria do reflexo.Lukács formulou talvez um dos mais rigorosos corpos teóricos acerca da estética. Para ele, o ponto alto do ser humano é a arte, nela o homem concentra o empírico de sua existência -- a subjetividade -- e a realidade cotidiana que o cerca -- a objetividade. À confluência do que é subjetivo, ou seja, singular, e do objetivo, universal, Lukács entende como particular, daí os conceitos de singularidade, universalidade e particularidade. O artista deve refletir uma totalidade intensiva que é particularizada, ou seja, ao ser particular, ser único, este concentra tanto traços específicos quanto aqueles que se integraram a ele pelas circunstâncias, pelo ambiente, pela história. A tipicidade, portanto, é dialética, estabelecendo um ser em movimento, mantendo suas características ímpares. Nesse quadro, toda a obra de arte é uma totalidade para Lukács. Sobre a concepção de totalidade, Lukács debate com Brecht. Para Lukács a obra de arte é fechada, para Brecht, ela deve ser construída, modificada a todo tempo.


Quanto ao receptor, Lukács entende que a arte tem um papel educador e que a recepção deve ser catártica. Brecht, além de criticar Lukács por este tomar como paradigma da expressão artística o romance burguês, critica a catarse e entende que a arte deve despertar e não envolver, através do estímulo ao distanciamento do público diante do que está sendo visto.Outros dois conceitos importantes na obra de Lukács são o realismo e a teoria do reflexo. Para Lukács, o autor tem que ser realista; a obra de arte deve refletir a dialética entre o singular e o universal em sua dinâmica, refletir, portanto, uma totalidade que é particular. Essa particularidade vai indicar o tipo, ou seja, algo característico que reúne em si aquilo que é essencial e as unidades cambiantes dos fenômenos. A teoria do reflexo é conseqüência de um princípio do materialismo dialético:Uma tese fundamental do materialismo dialético sustenta que qualquer tomada de consciência do mundo exterior não é outra coisa senão o reflexo da realidade, que existe independentemente da consciência, nas idéias, representações, sensações, etc., dos homens.As teorias desenvolvidas por Lukács dão conta de questões prementes do humanismo socialista, para as quais o marxismo já indicava soluções, a partir das concepções do materialismo dialético, em considerações esparsas nos escritos de Marx e Engels. Como nenhum dos dois pensadores produziu uma obra que tratasse exclusivamente da estética, coube aos seus discípulos a formulação de conceitos de estética marxista, considerando, além das bases do pensamento marxista, as demandas da história no processo de implantação de um governo socialista, no que diz respeito à necessidade de elaboração de uma política cultural. Obviamente, a formulação dos princípios a partir dos quais uma estética marxista poderia ser aplicada, juntamente com a dinâmica política e social do período que demonstrou a importância de se estabelecer uma política cultural, é bem complexa e apresenta matizes vários, algumas concepções que mostraram-se equivocadas, de outros pensadores e artistas que tentaram compreender o processo como Plekhanov, Mehring, Trótski, Bukhárin, Eisenstein, Maiacóvski, Górki, Zdânov, Caudwell, Gramsci, Benjamin, Piscator, Goldmann, Kosik, e outros mais, como indica Leandro Konder em seu importante livro Os marxistas e a arte. Nessa amplitude de compreensões, de teorias, que propiciam uma riqueza de análise desde preocupações diversas, como a própria Revolução Russa e a política cultural, o realismo socialista, pensar a relação entre a arte e a cultura, a sociologia da cultura, a indústria cultural, a modernidade, os intelectuais e a cultura, etc., a tentativa de compreensão de uma obra contemporânea a partir de conceitos elaborados pelo pensador Georg Lukács, exige a indicação de princípios do pensamento marxista tomados como ponto de partida.No primeiro capítulo de seu livro Ensaios sobre literatura, Lukács indica as bases do pensamento marxista, resgatando das considerações esparsas de Marx e Engels sobre a estética “uma unidade conceitual orgânica e sistemática”, da qual destacam-se alguns pontos. Um problema para a arte concentra-se nos critérios de sua permanência enquanto valor estético, ao mesmo tempo em que não deixa de caracterizar um período específico da história. Esse paradoxo pode ser compreendido na consideração da história e do método dialético na estética marxista. Como Lukács destaca, a ciência da história para Marx e Engels constitui o princípio a partir do qual toda análise necessariamente deve ser feita; o quadro histórico geral deve servir como fundamento e ponto de partida para qualquer elaboração.


O processo unitário da história guia toda investigação acerca de pontos específicos. À essa preponderância do aspecto histórico, junta-se o método dialético que estabelece a simultaneidade entre verdades relativas e absolutas e a não simplificação das relações entre causa e efeito: não sendo unívocas, desenvolvem interações complexas.O essencial movimento que podemos depreender da abordagem marxista, ao observar esses dois pontos indicados por Lukács, evidencia o caráter humanista da compreensão tanto da arte quanto do artista: a integridade humana defendida por toda grande arte contém tanto o enfrentamento das dificuldades da consciência do homem diante do real, quanto sua capacidade de transformar a realidade pela característica marcadamente motriz da história. A essência do homem e sua integridade dão-se na valorização de sua humanidade e, da relação com o exterior, sua possibilidade de transformação. Para o pensamento da estética, Lukács retoma a relação entre fenômeno e essência, nos conceitos de singularidade, universalidade e particularidade, assim como na reelaboração da teoria do reflexo, além do conceito de tipo nos estudos sobre literatura: o personagem que possui características individuais concretas e, simultaneamente, está inserido no âmbito maior de uma problemática universal. Na arte verdadeira, o essencial, portanto, aquilo que permanece, encontra-se sob o estímulo do desenvolvimento dos fenômenos ou da roda da história: a essência está implícita nos fatos e os fatos demonstram a essência.


A verdadeira e grande arte contém a dialética das verdades relativas e absolutas, a capacidade e incapacidade do homem e sua ação, a mão-dupla das causas e efeitos, enfim, a possibilidade de abarcar a realidade, sem servir para contar toda a história - a arte não se reduz ao valor documental - , a arte permite “ver por dentro a experiência de uma condição histórica particular da humanidade e assimilar à minha consciência individual algo desta experiência”. Para Lukács, a estética marxista consegue resolver a questão desafiadora: “da unidade entre o valor permanente da obra de arte e o processo histórico do qual a obra de arte - exatamente na sua perfeição, no seu valor estético - não pode ser separada.”

2 comentários:

Anônimo,  13 de setembro de 2009 às 09:28  

Salve lá, Ô Encen'Atuantes! Como vai essa força? Aqui quem lhes fala (ôps!,... escreve) é o Beto, lá do GTpuel/Londrina, e gostaria de convidá-los/as a participar ativamente de um coletivo que se propõe justamente a discutir os fundamentos sociais e estéticos (sem displicência, desdém e, sobretudo, "preguiça" teórica...) de uma cultura (ou "arte") desalienante, humanizadora, emancipatória e verdadeiramente libertária. A estética de Lukács (e Hegel) certamente deve ser problematizada como legado importante do séc. XX... bem como as críticas de Bloch, Brecht, Benjamin e Adorno na polêmica modernista-realista. E como você bem-percebeu (agora me dirijo especialmente ao/à que redigiu essas linhas) trata-se de várias vozes de um coro forte. Enfim, muito trabalho pela frente (a rapadura é doce mas não é mole, não é mesmo?). Temos ocupado sistematicamente o CeCa/UEL e a FTO-Londrina (de modo alternado, para facilitar a participação ampla de todos/as) para discutir questões como essas, levantadas na postagem acima. Para isso, seguimos acreditando que o melhor "meio" é o contato face-a-face, apesar de os "novos" meios constituirem ferramenta também indispensável. Para maiores informações favor contatar os/as responsáveis por lista eletrônica Teatro Popular < t e a t r o p o p u l a r u e l @ y a h o o . c o m . b r >

Anônimo,  23 de setembro de 2009 às 22:41  

Olá
Venho apenas a engrossar o coro do camarada Beto pra que os companheiros do encenação participem do GTpuel, o texto sobre o Lukács ficou mto bom, me ajudou bastante...
Salve lá amigossss
Abraços
Ton Joslin

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